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“A antiguidade da vinha dá outro ar ao vinho”

  • Foto do escritor: Catarina Reis
    Catarina Reis
  • 8 de fev. de 2022
  • 8 min de leitura

Atualizado: 6 de out. de 2022

No meio das serras, numa vila banhada pelo Zêzere com cerca de 3 500 habitantes, um edifício histórico do século XVIII, ligado à religião, produz hoje, na sua quinta, um vinho que muitos acreditam poder ter mais reconhecimento do que tem atualmente.

Tudo começou em 1791, em Cernache do Bonjardim (concelho da Sertã), quando o Infante D. João, mais tarde rei D. João VI, mandou construir a ala da frente e a igreja do Seminário das Missões. ‘Filomena’(nome fictício), voluntária já há alguns anos, conta com emoção, nas suas visitas guiadas, tudo o que foi aprendendo com os vários reitores com

que se cruzou. Naquela altura, com o intuito de formar padres para a ordem de Malta e para ajudar o Priorado do Crato, foram formados 320 missionários, cujos nomes se encontram gravados junto à entrada deste edifício histórico.

Em 1834 a igreja foi perseguida e os lazaristas foram forçados a sair, tendo a ala principal ficado fechada durante 20 anos. O Seminário das Missões conta com uma quinta ao serviço dos missionários, no entanto não existem registos históricos do início da vinha. Será que esta sobreviveu à invasão dos republicanos?

Quando se deu a república, em 1910, o Seminário foi ocupado por republicanos maçónicos que mandaram “destruir” tudo o que era de ordem religiosa. ‘Filomena’ explica, quase como se tivesse vivido naquele período, que “os trabalhadores da quinta ao verem que uma imagem de Nossa Senhora da Conceição ia ser queimada, conseguiram-na esconder em sacos de serapilheira e protegeram-na numa capela”. Para além desta imagem religiosa, os republicanos tiraram também a torre da igreja para venderem e queimarem os sinos. No entanto, o povo cernachense uniu-se e enfrentou quem lhes tinha invadido a terra. ‘Filomena’ orgulhosa salienta a força do povo da época: “Além de terem protegido tudo o que era da igreja, também salvaram os sinos que hoje ouvimos todos os dias na igreja matriz.” Em 1926, um ministro das colónias entendeu que o Seminário deveria ser entregue aos missionários e, assim aconteceu e permanece até aos dias de hoje. Para além desta grandeza histórica, Cernache do Bonjardim é o berço de Nuno Álvares Pereira, figura importante para a história de Portugal, e o vinho da Terra de D. Nuno pretende, de certa forma, homenagear o Santo Condestável.

Nunca se saberá ao certo quando a vinha foi plantada, o que é certo é que hoje continua a produzir vinho. O consumo interno desde cedo foi assegurado, no entanto desde o início houve quem desejasse mais do que isso.

Com uma quinta de 36 hectares e grande potencial agrícola, composta por planícies e rodeada de floresta, o Seminário das Missões decidiu dedicar-se à produção de vinho para uso interno e, mais tarde para uso externo. Luís Figueiredo, atual reitor, estudou em Cernache do Bonjardim e conta que “já nessa altura se fazia vinho para consumo interno”. Luís Figueiredo é responsável não só pelas ovelhas que pastam livremente ao longo da quinta, como pela vinha e por toda a produção. Uma vez que as ovelhas andam à solta ao longo de todo o terreno, foi necessário colocar vedações na vinha e no olival, para que não danificassem as plantações, e quem visita a quinta tem de ter uma especial atenção ao caminho por onde passa, visto que aquela é a casa daqueles animais. Atualmente, a vinha possui cerca de quatro hectares e conta com a ajuda da Apizêzere, Agripinhal e de um enólogo. Luís Figueiredo “nunca tinha feito isto na vida”, no entanto confessa que “é uma experiência interessante” e que, para uma maior qualidade no vinho, seguem “as orientações das entidades” com especialização na área.

Ao passear pelos caminhos da quinta, o reitor explica de que modo é que os espaços de cultivo estão distribuídos e por onde as ovelhas pastam, salientando que a instituição não tem qualquer custo com a limpeza dos terrenos da quinta, e que o simples facto de terem o seu rebanho com as crias é fundamental. A quinta tem espaços verdes e espaçosos destinados para a maternidade destes animais, bem como para o seu crescimento e desenvolvimento.

Ao chegar à zona da vinha, o reitor mostra a “vinha velha”, que foi a primeira a ser plantada, e a vinha mais recente e admite que, atualmente, não existe nenhum plano destinado à promoção do vinho, mas que “as vinhas precisam de ser renovadas e têm de se ver as castas”. Neste momento, a Apizêzere acompanha todo o processo até à vindima, o que é “uma grande ajuda”.

Luís Figueiredo acredita no potencial do vinho Terra de D. Nuno, vinho do Seminário das Missões, e salienta que a “antiguidade da vinha dá outro ar ao vinho e que as condições geográficas e climáticas” são muito importantes e “o clima de Cernache do Bonjardim é diferente do resto do país e isso beneficia”.

Francisco Nunes, gerente da Quinta do Condestável, conta que o estabelecimento que gere utiliza e comercializa o vinho do Seminário e que, apesar de ser dos vinhos mais baratos, os seus hóspedes preferem este tipo de vinho: “As pessoas quando aqui vêm olham para o lado do Seminário e querem levar um pouco daqui, elas querem provar um pouco do que nós temos.”

A Quinta do Condestável tem disponível para os seus hóspedes visitas guiadas a este edifício histórico que permitem não só visitá-lo e conhecer toda a sua história através das fortes descrições e histórias de ‘Filomena’, como também conhecerem a vinha que dá origem ao vinho que escolhem beber durante a sua estadia. No que diz respeito a estas visitas, o reitor do Seminário das Missões admite que têm um grande impacto para a instituição: “Tudo o que queremos é que seja conhecido.” Já o gerente deste alojamento local sente que ajuda o Seminário da maneira que pode e revela que tem alguns planos para o futuro: “Nós só não ajudamos mais porque não podemos. Nós temos muita coisa planeada que ainda só não pusemos em prática por causa das restrições.” Para além de sentir que ajuda o Seminário, Francisco Nunes acredita que estas visitas guiadas são muito enriquecedoras para quem as faz e elogia a guia e a forma única como esta apresenta algo com um peso histórico tão grande: “Existe uma Senhora que é uma excelente guia do seminário que é a ‘Filomena’, essa senhora é uma peça, é um espetáculo.”

Apesar da idade, a guia do Seminário das Missões demonstra toda a sua felicidade de estar num lugar como aquele e que enquanto “Deus permitir” continuará como voluntária com todo o gosto: “Enquanto eu puder e tiver capacidade, vou fazer.”

O edifício que representa Nuno Álvares Pereira situa-se no centro da vila, e o facto de existir uma vinha ao encargo de uma instituição religiosa rodeada pelo povo é algo incomum. O vinho Terra de D. Nuno tem alguma procura, no entanto há quem defenda uma maior comercialização do mesmo. Tanto em 2019 como em 2020 sobrou apenas uma reserva histórica e no que diz respeito à qualidade do vinho, o atual reitor confessa que o vinho deste ano “excedeu as expectativas comparando com o do ano passado”. Atualmente, a comercialização do vinho é feita em pequena escala, sendo feita diretamente do produtor ao consumidor. No entanto, o responsável do Seminário reconhece o potencial deste vinho e admite que para que haja uma maior comercialização “é necessário haver divulgação para o conhecerem”.

Carlos Miranda, presidente da Câmara Municipal da Sertã, admite ter formação e experiência profissional na área dos vinhos e reconhece o potencial de Terra de D. Nuno, no entanto sente que lhe falta dar o passo da comercialização e do trabalho de marketing: “O mundo dos vinhos até é um mundo com o qual eu me relaciono bastante bem, já tive experiência profissional nessa área e tenho formação nessa área também e o vinho do Seminário do Bonjardim tem um grande potencial, mas falta-lhe dar esse passo, acompanhar todo o desenvolvimento que houve nos vinhos portugueses.” Hoje em dia, para qualquer tipo de produto, a forma como este é apresentado e divulgado é bastante valorizada e, na área do marketing existe algo importante, o storytelling. Carlos Miranda completa: “Hoje não conseguimos vender nenhum produto se não conseguirmos criar uma boa imagem, uma boa marca. O storytelling é fundamental e no caso do vinho do Seminário é muito fácil de fazer, porque a história está contada, não precisamos de inventar nada.” O gerente da Quinta do Condestável também concorda com o trabalho que tem de ser desenvolvido para que o vinho tenha o devido reconhecimento, no entanto sente que, mesmo assim, as pessoas procuram-no pela sua história: “As pessoas procuram a experiência local.” Francisco Nunes tenta dar a conhecer, da maneira que pode, o vinho do Seminário de Cernache do Bonjardim, no entanto sabe a preciosidade que está ali presente: “Os maiores segredos são grandes segredos enquanto forem místicos. Há muita gente que não sabe bem o que ali está, quando for comum vai ser banal, vai ser mais uma coisa. Eu acho que nós temos ali uma coisa bem guardada para ir dando a conhecer.”

Tanto o povo cernachense como as entidades responsáveis pelo concelho, pela freguesia e pelo Seminário das Missões, sentem que este sítio tem um enorme potencial, não só no que diz respeito ao vinho ali produzido, mas também ao próprio edifício. Com o intuito de desenvolver, mas sempre preservando a história e todos os objetos ainda existentes, foi assinado um protocolo no verão passado entre a Câmara Municipal da Sertã, a junta da União de Freguesias de Cernache do Bonjardim, Nesperal e Palhais e a Sociedade Missionária da Boa Nova (responsável pelo Seminário). Maria João Ribeiro, presidente da junta, explica que “o protocolo foi estabelecido no sentido de existir uma articulação mais forte entre as entidades que têm interesse em que o espaço do Seminário e as atividades que podem vir a ser desenvolvidas lá, sejam promovidas”, no entanto “independentemente de tudo o que seja feito, haverá uma certa parte que será sempre destinada ao Seminário, como a sala senhorial no andar de cima”. Devido ao facto de, tanto o presidente da câmara como a presidente da junta terem tomado posse depois desse protocolo ter sido assinado, ainda não existem planos concretos para o futuro da instituição. Contudo, a Câmara Municipal da Sertã tem, já há alguns anos, um técnico de restauro a “dar apoio ao Seminário no sentido de preservar alguns bens com valores históricos”, mas Carlos Miranda reconhece que este é um trabalho que nunca estará concluído: “Naturalmente que o Seminário, sendo uma instituição tão antiga e tendo uma história tão grande, tem muitos objetos, muitas coisas que precisam de restauro e portanto eu diria que aquilo é um trabalho interminável.”

O Seminário das Missões tem nas suas salas quadros com um grande valor histórico, tal como os livros que se encontram na biblioteca, no entanto nem sempre é possível apreciar a beleza e conhecer o espaço. Esta instituição não se encontra aberta ao público, e isso é algo que o povo de Cernache tem pena. Maria João Ribeiro reconhece que não é fácil visitar este edifício que é tão importante para a vila: “Quando alguém traz aqui um amigo, o lugar histórico que tem para apresentar é o Seminário das Missões mas nem sempre dá para ver, porque é uma coisa particular, não é aberta ao público.” Carlos Miranda partilha da mesma opinião da presidente da junta de freguesia, mas salienta o facto de serem os responsáveis da instituição a terem de tomar essa decisão: “Essa é uma questão que tem a haver com aquilo que os responsáveis pelo Seminário pretendem para o mesmo.” No entanto, o presidente da câmara “gostaria que o Seminário pudesse ter outra atividade” e, no caso do vinho acha que “isso seria muito bom para a venda do produto”.

Junto à quinta, nas traseiras do edifício, a instituição tem a sua própria adega, onde o reitor explica os cuidados que o enólogo sugeriu ter para com o vinho, de modo a que este tenha a maior qualidade possível. O vinho encontra-se em cubas de inox, estando separado o da “vinha velha” do da vinha mais recente. Posteriormente, o vinho é passado para boxes ou garrafas para ser comercializado à população.

Maria João Ribeiro reconhece o impacto histórico que o edifício tem na freguesia: “O edifício só por si já tem algum impacto, é uma imagem da terra e não nos podemos esquecer que é aquela imagem que nos transporta para a figura de S. Nuno e para o lugar onde D. Nuno Álvares Pereira nasceu.” Carlos Miranda concorda com a presidente da União de Freguesias de Cernache do Bonjardim, Nesperal e Palhais, admitindo que o Seminário das Missões tem impacto no concelho, no entanto é um papel mais histórico do que ativo na sociedade: “O seminário tem uma dimensão histórica, religiosa e cultural que é inapagável e essa dimensão está presente nas pessoas.” E no vinho que lá se produz.





18 de janeiro de 2022

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