EN2: “É o retrato mais fidedigno da identidade de Portugal”
- Catarina Reis
- 15 de jan. de 2023
- 7 min de leitura
Num mundo composto por cinco continentes tão diferentes entre si, existem apenas três países onde é possível conhecer as diferentes identidades que os compõem através de uma única estrada. Um desses casos é Portugal. Num dos países mais pequenos da Europa, uma estrada com 739,26 quilómetros dá a conhecer 35 concelhos, 11 rios e 11 serras.

Ao percorrer Portugal de norte a sul, de Chaves a Faro, através da Estrada Nacional 2 (EN2) é possível conhecer gastronomias, culturas, tradições e paisagens diferentes. Instituída no Plano Rodoviário em 1945, esta estrada assistiu a vários acontecimentos históricos e ficou marcada pela arquitetura filipina.
Ao ficar cada vez mais conhecida, não só a nível nacional, como internacional, os autarcas dos municípios abrangidos por esta rota, destacam a importância que a mesma tem para o turismo e o comércio local e nacional. Com a atividade turística e económica a registar-se em todo o país, o centro de Portugal acaba por ser um dos pontos onde os viajantes optam por passar a noite e fazer algumas das suas refeições. Carlos Miranda, presidente da Câmara Municipal da Sertã, sublinha a importância que uma estrada como esta pode ter: “Nós verificamos que a Nacional 2 tem um impacto muito grande no comércio local.” Atravessado na sua totalidade por esta estrada, o concelho da Sertã optou por criar um posto de turismo dedicado, em exclusividade, a este roteiro: “Nós temos um posto de turismo colocado à beira da Nacional 2 e, nesse posto de turismo nós medimos o impacto da Nacional 2 através do número de pessoas que param nesse posto.”

Apesar de só recentemente ter ganho uma importância económica para alguns pontos do país, a EN2 “teve um impacto histórico muito grande para o concelho de Vila de Rei”, uma vez que, antes da construção da ponte de união entre esta vila e município de Ferreira do Zêzere, esta “era a porta de entrada e a porta de saída principal”, como explica Paulo César Luís, Vice-Presidente da Câmara Municipal de Vila de Rei: “Era uma via estruturante, por onde se desenvolvia o comércio, se desenvolvia a indústria, se desenvolviam as trocas comerciais.”

Com o desenvolvimento e reconhecimento da rota da Estrada Nacional 2 foi possível sentir um aumento do turismo no interior de Portugal e, como tal, Manuel Jorge Valamatos, presidente da Câmara Municipal de Abrantes, evidencia a oferta que o roteiro tem: “Com tanto para oferecer, não é por isso de admirar que, nos últimos anos, a EN 2 se tenha
afirmado, só por si, um produto turístico”. Como forma de reforçar a ideia do presidente do município vizinho, António Miguel Borges, presidente da Câmara

Municipal do Sardoal, descreve a atividade turística sentida no concelho: “Vêm conhecer a nossa gastronomia vêm conhecer os nossos vinhos vêm conhecer o nosso património que é muito importante.”
O interesse de quem percorre uma estrada que vai do norte ao sul do país foi-se sentido ao longo dos tempos, no entanto, durante a pandemia foi quando se verificou a maior afluência de turistas. Os autarcas apontam os anos em que Portugal e o mundo pararam, como os mais fortes para a EN2, uma vez que, com as medidas de restrições impostas pelo Governo, as pessoas viram as suas férias condicionadas. Manuel Valamatos admite: “O número de afluência de visitantes durante o período estival foi mais expressivo no ano de 2021, o que se pode justificar com as contingências COVID-19 que vigoravam nesse ano.” Carlos Miranda sente que as pessoas “começaram a voltar um pouco para as suas origens e para as suas raízes, e a EN2 é um projeto que estava à mão e que é uma coisa muito apelativa para as pessoas”.

Com o levantamento das medidas de contingência e com o país a voltar à normalidade, os autarcas temeram que isso pudesse, de certa forma, diminuir a afluência turística. Contudo, o presidente da Câmara Municipal da Sertã admite: “Neste momento nós continuamos com os valores que tínhamos na pandemia, ou até os aumentamos um pouco este verão.” Já no concelho vizinho, Paulo César Luís reconhece: “Assistimos a uma redução face ao melhor ano de sempre.” Como forma de dinamizar a EN2, António Miguel Borges destaca a importância de investir em turistas estrangeiros: “Neste momento é muito importante, e está a acontecer, virarmo-nos também para o mercado espanhol, convidar os nossos vizinhos espanhóis a fazerem rota da Nacional 2.”
Apesar de a EN2 ter sido alvo de uma grande atração turística, especialmente durante a pandemia, existem pessoas que ainda não tiveram oportunidade de conhecer o nosso país nesta perspetiva. Fernando Mendes nunca fez esta rota, no entanto demonstra o entusiasmo de percorrer uma estrada com mais de 739 quilómetros de moto: “Além da sensação de liberdade que nos dá, temos muito mais para conhecer, vários pontos que de automóvel é sempre muito mais difícil de conhecer.” Fernando descreve a futura viagem como um modo de conhecer melhor o seu país: “Basicamente uma questão turística para conhecer melhor as nossas terras e a parte bonita que temos no nosso país.”
Já Sara Rodrigues, de 22 anos, percorreu a EN2 em 2020, numa altura em que as restrições devido à pandemia da COVID-19 “já não eram tão apertadas”. Como reflexão da sua viagem, Sara destaca o encanto ao longo do seu país: “Acho que é mesmo a sua beleza natural, há muitos pontos que foram construídos pelo ser humano, mas o que torna mesmo especial é a junção do natural com o construído.” Contudo, a jovem alerta: “Acho que deveriam de ter em atenção a manutenção da estrada, porque realmente há pontos em que a estrada está em péssimas condições. Eu, felizmente, fiz durante o verão, mas mesmo assim apanhei muitos buracos na estrada, o alcatrão, em algumas partes, desnivelado. Portanto, acredito que no inverno ainda seja pior.”

No que diz respeito à manutenção da Estrada Nacional 2, “grande parte é gerida pelas Infraestruturas de Portugal”, no entanto existes partes em que a responsabilidade pode passar para os municípios, como exemplifica Carlos Miranda: “Aqui, no centro da Sertã, essa competência já passou para a Câmara da Sertã, porque há troços da Nacional 2 que são ruas da Vila da Sertã.” Para além da manutenção da estrada, o presidente da Câmara Municipal do Sardoal reconhece que é preciso, também, ter atenção a certos monumentos: “Não faz muito sentido nós investirmos, em termos turísticos, numa rota, mas depois termos um conjunto de equipamentos degradados ou abandonados. Por isso, é importante que haja recuperação das estradas e, algo que fica muito caro são as obras de arte, são as pontes.”
Mesmo com a EN2 a ser cada vez mais reconhecida, existem pontos que os autarcas acham fundamental melhorar, como é o caso da identificação do trajeto em determinadas localidades e, na perspetiva do Vice-Presidente da Câmara Municipal de Vila de Rei, deveria de existir uma rota circular: “Temos de melhorar a nossa capacidade de nos reinventarmos. Temos a rota, temos uma estrada. Importa se calhar consolidá-la, porque para o bem e para o mal, a estrada não é circular.” Paulo César Luís apresenta uma possível solução: “Ter produto complementar que lhes permita vir para o lado Espanha seja, na minha opinião, quem faz de Norte para Sul chegar a Faro fazer o litoral algarvio, e depois subir pela Costa Vicentina.”
Apesar de a EN2 apresentar aspetos que devem ser melhorados, nas perspetivas dos autarcas, os pontos positivos são realçados. O Vice-Presidente da Câmara Municipal de Vila de Rei destaca o facto de esta iniciativa turística ser “um produto diferenciador daquilo que existe em toda a Europa.” Manuel Jorge Valamatos descreve esta rota como um retrato do país: “A EN2 é um destino de eleição repleto de paisagens muito diversificadas, boa gastronomia e experiências sensoriais. É o retrato mais fidedigno da identidade de Portugal.”

Embora apresente aspetos positivos a nível nacional, o interior não é reconhecido, como explica Paulo César Luís: “Nós não temos o devido valor, mas não temos o devido valor, por um conjunto de questões que vão muito mais além do que a parte do turismo. O interior do país infelizmente, é visto como um problema. E como nós somos um problema, não nos é dado valor.” O presidente da Câmara Municipal da Sertã vai ao encontro do Vice-Presidente da Câmara Municipal de Vila de Rei: “A evolução do país nos últimos anos levou a que o país estivesse, e está, um pouco inclinado para o litoral.”
Com o objetivo de criar riqueza e valorizar as pessoas dentro dos territórios atravessados pela EN2, o envolvimento turístico e, a promoção económica e cultural dos municípios, foi criada em novembro de 2016 a Associação de Municípios da Rota da Estrada Nacional 2 (AMREN2). Atualmente, a direção desta associação pertence aos concelhos de Santa Marta de Penaguião, Sertã, Vila Pouca de Aguiar, Viseu e Almodôvar. Com a EN2 a criar uma dimensão turística em todo o país, e de modo a facilitar o percurso dos viajantes, a AMREN2 criou uma aplicação, onde é possível obter informações de todos os municípios abrangidos por esta estrada. Para além desta aplicação, foi criado um passaporte com todos os concelhos, onde os turistas vão carimbando e marcando a sua passagem. O objetivo deste passaporte é chegar ao fim do roteiro com todos os carimbos preenchidos.

De modo a promover e a aproveitar o facto de uma estrada como a EN2 passar nos concelhos, as Câmaras Municipais foram adequando as iniciativas a cada município. No caso de Abrantes, foi criada uma aplicação (Abrantes 360) - que dá a conhecer o melhor que o concelho oferece - uma coleção de desdobráveis turísticos e a Rede Municipal de Agentes da EN2. Já o município do Sardoal optou por colocar, em todos os estabelecimentos comerciais, os carimbos para o passaporte, uma vez que acaba por dinamizar todos os setores. Vila de Rei, no futuro, pretende criar um monumento dedicado exclusivamente à EN2, no entanto, já possui um painel onde junta os pontos mais marcantes da vila com os desta rota. O município da Sertã, para além da criação de um posto de turismo reservado à EN2, optou por identificar todo o percurso no concelho, de modo que “as pessoas não se enganem no percurso”. Carlos Miranda deixa ainda em aberto: “durante o ano de 2023 vão surgir novos projetos no sentido de valorizar todo o percurso da Estrada Nacional 2”.
06 de janeiro de 2023
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