“Atenção: isto é uma seca nacional, se todos tomarmos medidas certamente farão efeito”
- Catarina Reis
- 1 de out. de 2022
- 7 min de leitura
Atualizado: 6 de out. de 2022
Um país à beira mar plantado, definido pela natureza que o rodeia, hoje pode ser posto em causa pelas alterações climáticas. Aldeias que tinham sido submersas, pela construção de barragens, voltam a emergir ao fim de vários anos, devido à seca severa que Portugal atravessa.
Num ano atípico, o segundo mais quente desde 1931, a sobrevivência humana ainda não está em perigo, mas a agricultura e o turismo português correm esse risco. Apesar de ter algumas barragens, a região Centro e Médio Tejo têm sofrido com os baixos níveis de água e as margens estão completamente despedidas, restando apenas a vegetação que marca a altura do rio nos anos anteriores. Com esta nova realidade, aparece uma outra, que já se previa, mas não desta maneira: a poluição no fundo das águas, acumulada ao longo dos anos, é cada vez mais visível.

Na região do Médio Tejo, a construção da barragem de Castelo de Bode, onde passa o rio Zêzere, foi iniciada em 1946, tendo sido inaugurada cinco anos depois. Atualmente, Manuel Jorge Valamatos, presidente da Câmara Municipal de Abrantes, caracteriza esta albufeira pela importância pública coletiva que traz, tanto a nível da produção de energia como no abastecimento de água (a cerca de 80% da população do concelho), e pelo desenvolvimento turístico: “Hoje, a beleza da paisagem criada pelo enorme lago artificial, surge como um potencial explorado e a explorar.”
O plano de ordenamento da barragem foi criado em 1993 (plano revisto de dez em dez anos), e com ele foram criadas regras para as estruturas, o tratamento de efluentes e a utilização dos solos. No entanto, estas medidas não impediram a “criação de infraestruturas de modo a aproveitar o potencial da albufeira, tanto na criação de praias fluviais acessíveis a todos e dotadas de espaços de lazer e de acolhimento, como no tratamento de efluentes”. Com o intuito de promover o turismo na albufeira de Castelo de Bode, Abrantes, concelho do Médio Tejo, decidiu criar duas praias fluviais: o Parque Náutico de Aldeia do Mato e a Praia Fluvial de Fontes.

No centro do país, no concelho de Pedrógão Grande, a aldeia de Vilar volta a aparecer ao fim de 68 anos, mas desta vez em ruínas. Com a construção da barragem do Cabril em 1954, o caudal do rio subiu, tendo obrigado a população da aldeia a sair. António Lopes, presidente da Câmara Municipal de Pedrógão Grande, tal como Manuel Jorge Valamatos, descreve a importância de uma barragem como algo fundamental. A albufeira do Cabril e da Bouçã, ambas no rio Zêzere, são cruciais para o concelho e para a região centro de Portugal, tanto “para a produção de energia”, como “para o abastecimento de água para o consumo humano”. Para além disso, António Lopes acrescenta: “Aproveitamos aquele recurso para desenvolver um conjunto de atividades ligadas ao turismo.”

Com um clube náutico na barragem do Cabril, é possível desenvolver atividades como a pesca e os passeios de barco. No entanto, com 97,1% do território português em seca severa, essas atividades podem ficar condicionadas. Já em junho de 2022, foi realizado um concurso nacional de pesca do achigã, onde as dificuldades geradas pela falta de água eram visíveis. Para além do difícil acesso dos barcos ao rio, o presidente da Câmara Municipal de Pedrógão Grande refere: “Em termos de Proteção Civil estaria um bocadinho complicado, se houvesse um eventual socorro.”
Cercadas pelas serras, as praias fluviais podem ser o refúgio de muitos cidadãos, não só da região, mas a nível nacional e internacional. Contudo, as piscinas flutuantes estão, atualmente, rodeadas pelas rochas visíveis pela escassez de água. A distância ao acesso terrestre é um dos fatores que pode influenciar o turismo neste verão, o que gera preocupação a António Lopes: “Em termos turísticos isto poderá ter reflexos e obriga-nos a desenvolver mais ações e mais investimentos para promover o acesso à água.”

Não estando ainda na época alta do turismo, as consequências da falta de precipitação e das alterações climáticas já são notórias. Daniel Mendes, responsável pelo Clube Náutico do Zêzere (CNZ), em Cernache do Bonjardim, na albufeira de Castelo de Bode, expressa o receio em relação a este ano: “Nós vemos isto com muito maus olhos, porque desceu mesmo bastante a níveis que nunca se viram, salvo uma vez que estiveram a arranjar a barragem.” Em anos anteriores, por esta altura, a marina de barcos do CNZ já estaria cheia e, neste momento, está muito longe disso: “As pessoas têm algum receio em pôr o barco na água. Perto de 30% a 40% dos nossos clientes vêm todos da barragem, vêm todos da água, e o acesso ao nosso restaurante se ficar longe ou se o cliente não puder por o barco na marina, nem sequer vem. Neste momento, ainda não temos um único barco na marina, a qual na Páscoa já estava cheia. A parte do turismo náutico está completamente parada ainda.”

Os últimos dois anos, em que se esperava uma drástica diminuição no setor do turismo, foram bons para o centro de Portugal: “O COVID trouxe aos portugueses uma descoberta pelo interior, pelo nosso país. Todos os dias havia gente nova que ouviu falar e queria conhecer.”
Os turistas procuravam conhecer melhor o seu país e o melhor que este tem para oferecer, no entanto se os níveis da água continuarem a baixar, as pessoas podem não investir da mesma maneira. Daniel Mendes destaca ainda a importância da gastronomia para a região, contudo está apreensivo para este ano: “Procuramos sempre que a experiência seja muito boa a nível gastronómico. Eu acredito que as pessoas voltem, agora se será na mesma quantidade, não sei.”
A atividade turística já está a ser afetada com o problema que o país atravessa, no entanto pode vir a não ser a única. O interior do país é fortemente fustigado pelos incêndios, especialmente na altura do verão. Com os meios aéreos a abastecerem nas albufeiras de Castelo de Bode e do Cabril, o combate aos mesmos pode ser dificultado. Com a barragem do Cabril a mais de 40% abaixo da cota, o presidente do município de Pedrógão Grande realça a importância dos níveis da barragem: “Um avião maior descarrega muito mais água do que os aviões pequenos e, portanto, quanto mais cheia estiver a barragem melhor.”

Manuel Jorge Valamatos demonstra também a preocupação do município de Abrantes em relação a possíveis incêndios na região: “Estamos muito apreensivos, naturalmente.” No entanto, salienta: “A Comissão Distrital da Proteção Civil de Santarém em conjunto com a APA (Agência Portuguesa do Ambiente) têm estado a analisar esta situação da seca e a preparar a próxima época de incêndios.”
Com as margens do rio cada vez mais visíveis, a realidade da poluição nas águas portuguesas tem sido cada vez mais evidente. O lixo acumulado ao longo de décadas aparece agora junto às albufeiras, uma vez que, este é levado pela corrente do rio até às barragens. Manuel Jorge Valamatos agradece e enaltece “os grupos de voluntários que têm aproveitado o baixo nível da água para realizar limpeza e manutenção das margens e dos acessos à albufeira”.

Um exemplo de uma Organização Não Governamental (ONG) composta apenas por voluntários é os Planet Caretakers. Esta ONG tem equipas espalhadas a nível nacional e internacional e, no final do verão de 2021, começaram com ações de limpeza na albufeira de Castelo de Bode. Desde então, e até março, em cerca de 85% dos fins de semana, já recolheram mais de 3 200 kg de lixo. Ao percorrerem as margens, e estando estas cada vez com mais rochas, o acesso nem sempre é possível através de caminhos terrestres. Para contornar esta situação, e de modo a recolher a maior quantidade de lixo possível, navegam através de barcos de três tábuas, como explica Fábio João, responsável pela equipa da albufeira de Castelo de Bode: “Já houve sítios onde foi preciso ir quatro vezes, com dois barcos cheios de lixo. Recolhemos sempre várias centenas de quilos.”

Por serem uma ONG composta por voluntários, os Planet Caretakers não têm apoio financeiro. No entanto, a União de Freguesias de Cernache do Bonjardim, Nesperal e Palhais contribui com a divulgação das atividades e com os materiais necessários para as recolhas. Com o intuito de, para além de ajudar o meio ambiente, consciencializar a comunidade para as questões ambientais, Maria João Ribeiro, presidente da União de Freguesias de Cernache do Bonjardim, Nesperal e Palhais, descreve estas ações como algo que permite conhecer a realidade: “Foi concretizar aquilo que tínhamos pensado, que era pegar neste tipo de ações para sensibilizar para a questão do lixo. Foi uma experiência. Fazer recolha na margem do rio Zêzere que banha a freguesia de Cernache e navegar num barco de três tábuas e ir para uma margem que é impossível aceder de outra forma, e num barco recolhermos vários quilos de lixo, faz pensar que é impossível não existir uma consciencialização a partir da experiência e do conhecimento da realidade, que não é uma realidade bonita.”
Cada vez com mais voluntários, Maria João Ribeiro reconhece: “Estas atividades são uma forma de construir comunidade e de pensar que todos nós somos responsáveis pelo meio onde vivemos. O rio é um dos nossos principais recursos, as águas têm de ser preservadas.”

Por ter sido declarada seca severa em Portugal e para tentar minimizar os efeitos da mesma, o Governo implementou medidas a nível nacional. Várias barragens espalhadas pelo país pararam ou reduziram a produção de energia o que, para o presidente da Câmara Municipal de Pedrógão Grande, foi um dos fatores condicionantes para o atual problema, reconhecendo que “teve impacto, mas fundamentalmente foi pela falta de pluviosidade”. Tendo o Governo divulgado as medidas a adotar em fevereiro de 2022, o presidente do município de Abrantes comenta: “O que todos constatamos é que o país esteve, até março, em situação de seca extrema.” Manuel Jorge Valamatos acrescenta ainda: “A APA confirmou que vai manter-se a proibição de produção de eletricidade que se prolonga há dois meses em várias barragens, incluindo a de Castelo do Bode.”

Com uma relação direta com o problema, a Câmara Municipal de Abrantes, “antes desta situação de seca”, já tinha tomado “um conjunto de medidas para a poupança de água”. Como a barragem de Castelo de Bode abastece a população da capital de Portugal, o presidente do município explica: “A cota de captação para o concelho de Abrantes é mais baixa do que a cota de captação para Lisboa. Isto significará que, antes de ser colocado em risco o abastecimento para o concelho de Abrantes, terão que ser tomadas medidas mais urgentes para que não fique em risco o concelho de Lisboa.”
Tal como o município de Abrantes, também o de Pedrógão Grande adotou medidas diretas, “sobretudo ao nível da rega das plantas”. António Lopes acrescenta, apelando: “É uma gota de água no oceano, se formos a ver. Mas se todos fizermos o mesmo… Atenção; isto é uma seca nacional, se todos tomarmos medidas certamente farão efeito.”
14 de julho de 2022
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